Retaliar às tarifas impostas por Trump na mesma moeda é tiro n'água, se não for no pé. É que essas tarifas caem na conta do consumidor, lá como cá, e o prejuízo ao fornecedor é indireto, consequência da queda nas vendas. O Brasil, quiça os BRICS, podem fazer muito melhor.

Há uma parte da lei de direito autoral no Brasil que foi imposta pelos EUA através da OMC, sob ameaça de tarifaços e sanções, que transformou vários países em colônias econômicas, em consumidores passivos: o Artigo 107, que transforma em infração de direito autoral a supressão ou desabilitação de dispositivos técnicos para evitar cópia, ou de informações de gestão de direitos sobre obras autorais.

Noutros países, essas provisões para atender às ameaças acabaram sendo muito mais drásticas, criminalizando a divulgação de informação sobre como contornar esses dispositivos, bem como a alteração de eletrônicos para escapar de limitações artificiais impostas por seus fabricantes.

São essas barreiras mais drásticas que tornam mais fácil a um fabricante de impressoras subsidiar as impressoras vendendo tinta em cartuchos com uma fina camada eletrônica que se passa por dispositivo técnico, dificultando assim o reuso de cartuchos e a oferta de cartuchos compatíveis. Cada impressora e cada máquina de café nesse regime alimenta um monopólio.

São essas mesmas barreiras que tornam possível a um fabricante de tratores impedir, através de dispositivos técnicos que exigem ativação eletrônica de componentes substituídos, a concorrência de mecânicos que não se unam ao seu monopólio. O mesmo tem ocorrido com automóveis, telefones celulares e outros equipamentos cotidianos, tornando os clientes dessas empresas abusivas dependentes de suas redes exclusivas de assistência técnica.

Parece-me que essas barreiras mais drásticas não ganharam lugar na legislação brasileira de direito autoral, e resistimos às pressões posteriores para importá-las com a ALCA, o que deixou portas abertas para uma oportunidade interessante para nós.

Se eu não estiver enganado, podemos aproveitar a criatividade, a engenhosidade e o jeitinho brasileiro de nossos empreendedores e desenvolvedores para fazer engenharia reversa desses componentes eletrônicos abusivos e para desenvolver e divulgar, até mesmo comercialmente, kits ou serviços de exorcismo dos demônios eletrônicos que possuem esses equipamentos, substituindo os componentes abusivos por outros sem as travas tecnológicas que fomentam esses monopólios, de modo que os eletrônicos que compramos possam ser realmente nossos.

Creio que nem seria necessária alteração legislativa, o que possibilita até incentivos governamentais e campanhas publicitárias de desdemonização e legitimação desse setor produtivo cada vez mais crítico para a descolonização. Imagine poder escolher o mecânico ou técnico de sua confiança para fazer manutenção e melhorias no seu carro, na sua geladeira, no seu comunicador móvel, sem se sujeitar a caprichos monopolistas?

Isso por si só já funcionaria como retaliação ao tarifaço de Trump, e apavoraria os abusadores econômicos coloniais do lado de lá, gerando pressão para que as tarifas sejam revistas.

Agora, como todo o artigo 107, mesmo em sua versão menos drástica vigente, já era pagamento do resgate pela evitar a ameaça de tarifaço na época, caberia até tentar rever essas provisões agora que o tarifaço veio mesmo assim. Será que nosso congresso colabora e consegue trabalhar em prol do Brasil?

Até blogo,